Capital Inicial - Saturno

Dinho Ouro Preto, vocalista do Capital Inicial, atende o telefone esbaforido. Ele acaba de chegar do ensaio da banda, que finalizou o trabalho novo, Saturno, 16º em uma carreira de 29 anos. Ainda estou na adrenalina. Cara, você acredita que começamos a passar as músicas novas e chegou uma hora em que falamos:vamos tocar o disco inteiro (na turnê)?. Esse é o espírito com que a banda encara o novo trabalho. Motivos há de sobra.Mas você pode ir por dois cortes principais é o disco mais visceral da carreira do Capital e é o trabalho que remete ao que os motivou desde o começo a serem uma banda.
O que norteia nossa trajetória é buscar o entusiasmo que senti ao ver pela primeira vez o Aborto Elétrico, encontrar aquilo que nos fez gostar de rock, que nos fez sermos fãs de bandas de rock, explica Dinho, referindo-se à seminal banda roqueira de Brasília da qual os irmãos Fê (bateria) e Flavio Lemos (baixo) fizeram parte. Isso significa que você encontra em Saturno um disco de guitarra, baixo e bateria. Um disco composto na guitarra, onde a maioria das músicas nascem de riffs. Um disco orgânico, roqueiro, 11 músicas que seguem direto ao ponto, sem enrolação. Pela primeira vez foi traçado um caminho de onde queríamos chegar antes de começar a trabalhar no álbum, diz o vocalista. Para tanto, Dinho e seu comparsa Alvin L. se debruçaram sobre o texto e composições como nunca (aspas do vocalista).
A dupla responde por nove das 11 músicas, sendo uma delas com a participação do tecladista, Robledo Silva. As outras duas são de autoria de Dinho com Pit Passarell, irmão do guitarrista Yves Passarell. Você bate o olho nos títulos e letras e estão explícitas as influências literárias e cinematográficas do trabalho. O Bem, o Mal e o Indiferente remete direto a O Bom, o Mau e o Feio, western de Sergio Leone, e a letra faz referência ao livro Cem Anos de Solidão, de Gabriel Garcia Marquez. Apocalipse Agora é filha indireta da obra-prima de Francis Ford Coppola e Sol Entre as Nuvens é um ode às maravilhas de Alice de Lewis Caroll: Várias portas num quarto pequeno /Tenho que escolher qual delas vou abrir/Várias entradas, só uma saída/Acabei de chegar e já estou de partida/Vamos fugir pra algum lugar longe daqui. Todas embaladas, vale o reforço, em guitarra, baixo e bateria em estado bruto. O Bem, o Mal e o Indiferente é um rock vigoroso, contemporâneo, com afagos de piano, enquanto Água e Vinho é mais cadenciado. No terreno de baladas Capital Inicial style, O Lado Escuro da Lua abre a missão e é o primeiro single do disco, Sol Entre as Nuvens segue a linha com maior potência e fecha o disco, e no miolo temos a power ballad Saturno, que batiza o CD.
Esta, astrológica e astronomicamente simboliza os 29 anos que o Sol leva para dar uma volta em torno do sol e que tem significado esotérico de melancolia é o tempo de vida da banda. Polidas as arestas, é pedrada atrás e depois de pedrada. Saquear Brasília escancara a verve política da banda num punk rock 1-2-3-4, e é emendada por Apocalipse Agora, que não faz menor pancadaria. O Cristo Redentor é a síntese do que Dinho falou, de um álbum composto na guitarra, com riffs no DNA. Noites em Branco e Poucas Horas são dessas também rockões de guitarra distorcida, coro no refrão e jeitão de single. Temos ainda outra paulada, com mais quebras e condução melódica vocal, A Valsa do Inferno. Some as 11 e terá um Capital diferente, novo, mas com a tradicional assinatura de estilo de três décadas. Pergunto para Dinho o que o motiva a cada novo trabalho e por que de o grupo ter essa tradição de reinvenções.
A resposta é certeira: O que mais vejo são grupos de rock se afastando do gênero ou vivendo do passado. Isso não pode acontecer com a gente. Se não for para buscar uma reinvenção, não teria saco nem pra sair de casa e perderia o sentido. Saturno assina embaixo.